sexta-feira, 29 de abril de 2011

Artigo de pesquisador da Esalq sobre Código Florestal

O Dr. Sergius Gandolfi, professor e pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), escreveu um artigo a respeito da proposta de alteração do Código Florestal que tramita na Câmara.
O artigo foi enviado para o jornal Folha de São Paulo, que se recusou a publicá-lo.

É muito importante que essas informações venham a conhecimento do público!
Os políticos estão se esforçando ao máximo para que a ciência seja ignorada na discussão do Código Florestal. Todo o país sofrerá as conseqüências.

A pedido do professor, publico aqui o texto na íntegra:

Novo Código Florestal: Crime Contra os Brasileiros
(27/04/2011)

A pretensa revisão atual do Código Florestal não nasceu do reconhecimento de que a lei atual é prejudicial ao Brasil, antes essa revisão é um esforço de parte daqueles que, tendo infringido a lei em vigor, procuram agora, ávidos, um mecanismo público para o perdão aos seus lucros indevidos e aos danos ambientais que produziram, mas que ainda pretendem assaltar o patrimônio real e permanente do Brasil, o meio ambiente de que todos nós dependemos. A questão é séria demais para o futuro do Brasil para que ela seja decidida às pressas com a “faca” posta na garganta do governo de ocasião. Ela demanda tempo, discussão pública, real envolvimento da imprensa e do cidadão urbano, que representa mais de 80% da população brasileira, que será a grande lesada com essa nova lei.

O assunto é complexo, necessitando extensa e profunda reflexão, pois longe ser um tema restrito ao campo e ao agricultor, a adequação da lei florestal representa uma oportunidade real de reduzir a degradação ambiental em curso, e de dar destinação econômica à biodiversidade única do país.

Não havendo espaço aqui para discussão de toda a equivocada proposta de novo Código Florestal, ressaltemos apenas dois dos maiores absurdos previstos, a redução pela metade da área de florestas nativas de proteção que deveria existir na maior parte das margens de rios brasileiros, e a proposta de consolidação da degradação já existente. A primeira dessas propostas significa colocar mais cultivos ainda mais próximos dos rios pequenos, e ao mesmo tempo diminuir pela metade as áreas de florestas nativas que protegem esses rios da erosão. Isso justamente nos rios com menores calhas e que por isso mesmo são os que tem maior risco de serem entupidos pela erosão que vem das áreas agrícolas. A segunda proposta é ainda pior, pois prevê que ao contrário de proteger os cursos d’ água da erosão, obrigando-se o proprietário rural a recuperar com florestas nativas as margens dos rios que está ocupando com plantios ilegais, seja possível manter para sempre esses plantios nessas áreas, tornando permanente a degradação dos rios brasileiros.

Trata-se de uma lei para degradar ainda mais o Brasil!

A nova proposta de Código Florestal, olhando apenas para os interesses do agricultor irregular, mas não para os interesses do Brasil, muda, de forma astuta, o critério de medida da largura dos rios, fazendo “encolher” os rios e conseqüentemente a largura das áreas que deveriam ter florestas nativas de proteção. Como conseqüência, essa medida reduz as florestas de proteção na maioria dos rios brasileiros. Pior, em rios com até cinco metros de largura (rios agora de largura encolhida) propõe-se reduzir criminosamente as florestas ribeirinhas, que seguram as terras vindas das áreas cultivadas (erosão) e que filtram e água que chega aos rios, de 30 para apenas 15 metros, ou seja, aumentado-se dessa forma a área agrícola em 15 metros.

Mais lucro em troca de mais degradação!

Um absurdo que, os jornais informam, o atual governo está feliz em aceitar.

Tal proposta reduzirá as matas ciliares na imensa maioria das margens dos rios brasileiros e no curso do tempo transformará em fiasco a transposição rio do São Francisco, reduzirá o tempo de vida de todos os reservatórios de abastecimento público, de todos os reservatórios de geração de energia elétrica, reduzirá o tempo de vida de todas as turbinas de geração das usinas hidroelétricas (aliás, as ações das empresas do setor vão desabar), tornará permanente a necessidade de dragagem dos portos fluviais e marítimos, reduzirá a capacidade do transporte fluvial, tornará mais difícil e caro o tratamento das águas em todas as cidades, aumentará a freqüência e a severidade das cheias em áreas rurais e urbanas, elevará o número de estradas e pontes destruídas nesses eventos, reduzirá a produção de pescado, etc.

Triste observar que o público, em geral, e os meios de comunicação, em particular, estão sendo enganados pelo discurso recorrente de que não haverá agricultura se houver respeito ao Código Florestal atual. Trata-se de fazer crer que estando à maioria dos agricultores em desacordo com a lei todos eles são iguais. Assim um produtor 1%, e outro 100% irregular, seriam nesse discurso matreiro igualados. Não, não eles são iguais! O pequeno proprietário que pressionado pela dimensão restrita do seu lote cultiva irregularmente da margem de um rio é igualado no discurso falacioso ao grande pecuarista, sojicultor ou canavieiro que, com fartura de áreas e abundância de recursos, por vontade, e não por necessidade invade as terras destinadas as matas de proteção dos rios para aí ampliar a sua fortuna.

Faz-se uma discussão pública de maneira a sugerir que na maior parte das terras agrícolas o uso indevido das áreas de preservação permanente (APPs) na margem dos rios seria uma necessidade imposta ao pequeno agricultor pela necessidade absoluta de viabilidade econômica, no entanto, a maioria das APPs irregulares não estão na mão dos pequenos! Ao contrário, cerca de 70% das terras agrícolas brasileiras estão na mão de aproximadamente 11% dos proprietários (Censo 2006), indicando que na maioria das terras brasileiras a opção pelo uso ilegal das APPS não resulta da escassez de área para produção, sendo antes uma opção deliberada pelo lucro indevido, pela apropriação indébita.

Dados da Folha de São Paulo de dias atrás permitem avaliar a dimensão do lucro indevido que a ocupação irregular pode gerar. Segundo esse jornal, neste ano a safra de milho ou soja no Paraná produzirá um lucro de muito mais de R$ 1.000,00 por hectare cultivado. Isso significa que numa propriedade de 500 hectares, com 10% de APPs de margens de rio, e na qual, apenas metade dessa área (25 hectares) está sendo hoje ilegalmente cultivada, o lucro indevido do agricultor será de R$ 25.000,00, ou seja, equivalente a um carro popular. Em contrapartida, sem matas ciliares a erosão produzida nessas terras alcançará o curso d’ água, levando sedimentos, excesso de adubos e agrotóxicos que degradarão localmente o rio, mas que ao serem parcialmente transportados pela correnteza para áreas distantes irão, por exemplo, assorear reservatórios de água, ou de geração de energia elétrica, ou portos, ou gerar cheias em áreas rurais e urbanas distantes, etc.

Concentra-se o lucro e socializa-se o prejuízo, ao se gerar maiores custos de captação e de tratamento de água, de controle da poluição hídrica, de manutenção e ou reconstrução de infraestruturas, etc.

O atual Código Florestal não é um conjunto de leis perversas e sem sentido, ao contrário, salvaguarda o interesse real do conjunto da sociedade brasileira. Em contrapartida, a maioria dos artigos a nova proposta de Código Florestal representa o atraso, e a falta de compromisso com o bem estar comum, em favor de vantagens e lucros indevidos, sobretudo para um pequeno conjunto dos grandes proprietários rurais que, se ele vier a ser aprovado, receberão anistias, não recuperarão o que degradaram, e ainda conseguirão converter áreas de proteção em áreas agrícolas. Sendo esses proprietários donos da imensa maioria das terras agrícolas brasileiras, serão eles os principais beneficiados pelas propostas de mudança do Código Florestal em discussão no Congresso, enquanto o principal prejudicado será o Brasil, que verá ser degradado o seu o patrimônio real e permanente, os seus rios, as suas cachoeiras, etc.

As diferentes causas de inadequação ao Código não devem ser anistiadas, em todos os casos deve-se reconhecer o passivo ambiental atual, mas o poder público deve dar um tratamento desigual e justo para aqueles que, por causas distintas, estão irregulares.

Deve-se imediatamente auxiliar o pequeno agricultor que invadiu incorretamente áreas marginas dos rios, com uma política pública que, através das secretarias estaduais de meio ambiente, forneça orientação técnica e mudas, para a restauração integral das florestas ribeirinhas, forçando-se à gradual desocupação dessas áreas que garantem a sobrevivência dos rios. Ao mesmo tempo eles devem receber também, das secretarias estaduais de agricultura, assistência técnica destinada a aumentar a produtividade das áreas que realmente devem ser agrícolas, e que devem prover o sustento do agricultor, e sua melhoria de vida. Dessa forma a redução de área cultivada, não se refletiria numa redução de renda, ao contrário, visaria aumentá-la pelo incremento da produtividade. Apenas para esses pequenos agricultores que estariam se regularizando, vantagens econômicas como, créditos, prazos e certificação ambiental, deveriam ser mobilizados por governos estaduais, ou pelo governo federal.

Diferentemente da proposta de novo Código Florestal que prevê a redução das áreas de proteção, consolidação da ocupação irregular das margens dos rios, levando conseqüentemente à manutenção da degradação ambiental, o uso do Código Florestal em vigor, associado a políticas públicas justas, seria suficiente para gerar proteção, produção e melhoria de qualidade de vida.

Quanto ao grande produtor irregular que abasteceu seu patrimônio particular com o lucro indevido do desrespeito à lei, esse no mínimo, deve arcar com o ônus de, em curto prazo, recuperar a floresta ribeirinha que os seus irregulares impediram de se formar, nas margens de rios que ele ocupa. Em contrapartida, ao se regularizar também ele será beneficiado, pois estará se tornando apto a certificar ambientalmente a sua produção, um mecanismo que pelo seu respeito à legislação ambiental lhe permitirá agregar valor à sua produção.

Outros tantos aspectos relevantes do Código Florestal demandam espaço para sua discussão, no entanto, é preciso no mínimo dizer que a manutenção das Reservas Legais em todas as propriedades rurais, antes de ser um obstáculo, é uma oportunidade que o Brasil não pode perder, pois permitiria imediatamente dar uso efetivo à nossa biodiversidade florestal

Governos municipais, estaduais, e federal inteligentes, veriam nessas Reservas como uma nova oportunidade de cadeias produtivas, de negócios, de distribuição de renda, e de geração de empregos, a partir de produtos que são únicos no mundo, por serem exclusivos do Brasil.

É papel desses governos e dos políticos abertos para o futuro trabalharem duro na criação de cadeias produtivas de produtos florestais produzidos em Reservas Legais, pois o agricultor poderia estar ambientalmente regular e ao mesmo tempo passar rapidamente a lucrar abastecendo o mercado interno e externo de lenha, carvão, madeira (carpintaria e movelaria), de frutas únicas no mundo (in natura ou processadas), de cosméticos, de fármacos e muitos outros produtos.

O Código Florestal é a oportunidade de recuperar passivos ambientais e de gerar um Brasil novo, com proteção e produção florestal em cada propriedade rural, de articular a lei florestal com o uso racional da biodiversidade, de geração de mais ciência, de mais tecnologia, de mais produtos, de mais crescimento.

Só não deve ser o sonho equivocado de lucrar degradando.

Sergius Gandolfi
Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal
Departamento de Ciências Biológicas
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”
Universidade de São Paulo

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