sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Caos no transporte II - soluções #fail

Esta postagem baseia-se na reportagem Retrocesso em Vias Rápidas, de Rodrigo Martins, publicada na edição 632 da revista Carta Capital.
trânsito de são paulo
A reportagem refere-se ao projeto da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para reduzir os congestionamentos na cidade de São Paulo (que batem recordes quase que diariamente): alargamento de avenidas e criação de vias expressas e anéis (como o Rodoanel).

Essas medidas terão um alto custo (ainda não definido) e, o mais importante, o efeito de melhora no trânsito não vai durar mais que alguns meses!

Lembram do ano passado, quando foi inaugurada a ampliação da Marginal Tietê?
A CET comemorou uma redução de 44% nos pontos de lentidão. Mas o mesmo estudo já indicava um aumento de 30 mil carros na via por dia!
Hoje, a marginal já está parada de novo.
Além disso, as margens do rio Tietê ficam cada vez mais impermeabilizadas, e as enchentes aumentam.
(e temos que ouvir Aldo Rebelo dizer, como argumento a favor da mudança no Código Florestal, que se é para proteger os rios não deveria existir a Marginal. Não deveria, mesmo! É só olhar para o que acontece com a Marginal e termos um ótimo argumento a favor do Código Florestal atual – e de um aumento na rigidez de sua aplicação!)

Enquanto isso, nada de investimento em meios de transporte alternativos, como a bicicleta e o transporte coletivo. E o preço do transporte público só aumenta (mas a qualidade, não).
Depois de receber críticas pelo aumento na passagem de ônibus (e agora já aumentaram também o metrô e a CPTM!), o prefeito Kassab (DEM) afirmou que retomaria a construção de corredores de ônibus (que foi iniciada na prefeitura da Marta Suplicy (PT) e, depois da mudança de governo, ficou praticamente paralisada). No entanto, as obras – se é que vão acontecer – só começariam em 2012 (promessa para as próximas eleições??).
A reportagem da Carta Capital lembra que, quatro anos atrás, o prefeito já havia prometido cinco pistas exclusivas para ônibus em grandes avenidas, e nenhuma saiu do papel. Além disso, a prefeitura prometeu investir R$ 1 bilhão até 2012, e só um quarto desse valor foi investido nos últimos dois anos.

O projeto da CET vai na contramão da tendência mundial.
Segundo o urbanista Nazareno Affonso, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), “enquanto as grandes cidades do mundo, mesmo nos EUA, que sempre cultuaram os carros, discutem soluções como corredores de ônibus de alto desempenho trens de superfície e ampliação do metrô, causa estranheza que São Paulo volte a investir num modelo baseado no transporte individual. Ao dar mais espaço aos carros, a prefeitura estimula o seu uso. Com o crescimento da frota de veículos, os benefícios gerados para o trânsito serão superados em pouco tempo. Essa é apenas uma via mais rápida para congestionar a cidade ainda mais. Estamos mexicanizando nosso trânsito. Em breve, a paralisia não ficará restrita às horas de pico. Haverá lentidão durante todo o dia, a qualquer hora, como acontece na Cidade do México.”

moradores de rua sob o Minhocão (Elevado Costa e Silva)E essas grandes obras também contribuem para a degradação da cidade. Quando as ruas são feitas para os carros, elas não atraem pessoas; tudo vira apenas lugar de passagem. O urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, comenta que “muitas dessas avenidas expressas cortam bairros ao meio, dificultam a circulação das pessoas que vivem na região, degradam todo o entorno.”
O exemplo mais óbvio é o “Minhocão” (Elevado Costa e Silva), na região central.
O cruzamento da Ipiranga com a Avenida São João de que fala a música de Caetano não é mais o mesmo. A obra e o grande tráfego causam poluição visual, sonora e do ar. O local foi ficando abandonado e foi ocupado por moradores de rua e usuários de drogas.
O prefeito anunciou, no ano passado, que a obra deve ser demolida. Mas isso não deve acontecer antes de 2025!

A cada dia, mais de 800 carros novos entram em circulação na capital.
Ter um carro é prioridade para muita gente. A pessoa pode ficar devendo o aluguel, pode morar mal, mas tem que comprar um carro. E isso acontece porque a questão da praticidade se mistura com uma questão de status (ônibus, essa coisa terrivelmente desconfortável e pouco prática – porque demora, atrasa... – é para quem não tem dinheiro para ter um carro).
Isso resulta em uma média de um carro para cada dois habitantes da cidade.
A maioria dos carros em circulação tem apenas um ocupante. Um ônibus ocupa espaço equivalente a três carros, mas pode levar mais de 60 pessoas.

três formas possíveis de transportar o mesmo número de pessoas - qual é mais inteligente?
carros: mito e realidadeO carro representa uma ilusão de liberdade e de praticidade. A publicidade de automóveis investe em duas imagens: ter um carro traz status (lembram da propaganda dos executivos se perguntando “onde você quer estar daqui a cinco anos”?) e liberdade (montanhas de propagandas com carros correndo em estradas, ou fora delas).
(Com os dois raciocínios, quanto maior e mais poderoso o carro, melhor – por uma triste coincidência, quanto maior e mais poderoso o carro, mais ele polui e mais espaço ele ocupa nas ruas também.)
Porém, o que vemos na prática é que ter um carro significa mais estresse por causa do trânsito e mais danos à saúde por causa da poluição (que, segundo dados de 2005, mata indiretamente 8 pessoas e provoca 1 aborto por dia na cidade de São Paulo!).

poluição do ar na cidade de São Paulo
Este é o ar que a gente respira!

Na Europa, não se precisa de carro para se locomover na maioria das cidades (em Paris, por exemplo, não é necessário caminhar mas que uns poucos quarteirões para encontrar uma estação de metrô) nem entre as cidades (graças à ótima malha ferroviária). O uso de bicicletas também já faz parte da cultura em muitos lugares.

A população se preocupa em resolver seus problemas individuais, sem pensar coletivamente.
A prefeitura só se preocupa em mostrar aos motoristas que está fazendo alguma coisa por eles para receber votos nas próximas eleições, investindo em medidas que só funcionarão num curto prazo.

As perguntas têm que ser outras.
Por que se gasta tanto dinheiro para ampliar a circulação de carros, quando podemos investir em formas melhores de transporte?
Como é a cidade onde você gostaria de estar vivendo daqui a cinco anos?
E o que podemos fazer para chegar lá?

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