quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Impactos do novo Código Florestal - II

Recentemente, postei a matéria da Agência Fapesp sobre o debate científico a respeito da reforma do código florestal.

Depois de presenciar o (ótimo) debate, estou mais informada, e gostaria de postar alguns comentários.
Começo comentando apenas alguns dos muitos absurdos que constam no projeto:

Encostas de morros até 45 graus ficam sem proteção!
Não temos visto deslizamentos de terra suficientes ultimamente?
Quantas pessoas mais precisam morrer para nos convencermos de que é preciso manter a vegetação das encostas?

Proteção dos rios:
É preciso manter vegetação nativa nas margens dos rios, para evitar erosões, reduzir o assoreamento e a contaminação da água por agrotóxicos e outros produtos provenientes da agropecuária, e sustentar a vida aquática (mantendo uma temperatura adequada, nutrientes, etc). Além disso, essa vegetação mantém muitas espécies animais, e também serve como corredores para animais que, caso contrário, ficariam presos em um pequeno pedaço de mata (a palestra do professor da UNESP Mauro Galetti, sobre os potenciais efeitos das alterações no Código sobre os mamíferos, mostrou como esses trechos são importantes para muitas espécies).
Segundo José Galizia Tundisi (da USP de São Carlos), na região do Baixo Cotia, em São Paulo, o custo para tratar mil metros cúbicos de água é de cerca de R$ 300. Em comparação, o tratamento da mesma quantidade em uma cidade que possui rios com proteção de matas ciliares em seus mananciais cai para R$ 2.
Não se sabe se a área que consta no código atual, de 30 metros (contados a partir do leito maior, ou seja, na cheia), é suficiente – algumas pesquisas (citadas no debate) parecem demonstrar que o ideal seria muito mais. Com o novo código, a área de proteção passaria a ser proporcional à largura do rio. O que significa redução na proteção de rios menores (90% dos rios do país!). Pensem um pouco: quais são os rios que correm mais risco de desaparecer: os rios menores ou os rios grandes? Estamos reduzindo a proteção aos rios que mais precisam dela!
E a palestrante Lilian Casatti, professora da UNESP, afirmou que estudos realizados no Estado de São Paulo demonstram que o maior número de espécies de peixes está concentrado em pequenos córregos.
Além disso, a área passa a ser medida a partir da margem menor, enquanto a área a ser inundada na cheia é referida como várzea.
(os rios que secam, então, vão deixar de existir?)
Imaginem, agora, um rio que aumente mais de 15 metros na cheia.

É apenas um esquema! Desculpem a má qualidade das imagens...
fiz com um pouco de pressa e acabei salvando com baixa qualidade.

impactos da reforma do Código Florestal - proteção dos rios
O que acontece com a Área de Preservação Permanente?

impactos da reforma do Código Florestal - APP hoje
impactos da reforma do Código Florestal - APP após a mudança
Ou seja: na prática, proteção zero!

Áreas de Preservação Permanente podem ser utilizadas no cômputo da área de Reserva Legal (que já foi reduzida).
Ou seja, se as APPs de um terreno já forem equivalentes ao tamanho que teria que ter a Reserva Legal de um terreno, não precisa preservar mais nada!
E pequenas propriedades (até 4 módulos fiscais) não precisam ter Reserva Legal.

APPs e Reservas Legais são fundamentais para proteger e nossa fauna.
70% dos mamíferos em extinção da Mata Atlântica não estão protegidos em Unidades de Conservação; apenas em APPs e RLs (de acordo com Galetti).


Uma coisa que ficou clara nas palestras é que não é apenas "o sapinho", "o macaquinho" ou "as arvorezinhas" que precisam ser defendidos.
A reforma do Código Florestal afeta a flora e a fauna, sim, mas afeta também as pessoas. Todas as pessoas.

Ao diminuir a proteção aos rios, afetamos a distribuição de água (da qual dependem a própria agricultura, o gado e as pessoas), o funcionamento dos portos e a distribuição de energia elétrica.
Sérgius Gandolfi, da Esalq, deu um exemplo real do que aconteceu com a usina hidrelétrica de Assis Chateaubriand, no Mato Grosso do Sul, que viu seu reservatório desaparecer e parou de gerar energia em menos de dez anos porque os pequenos rios que a abasteciam não foram devidamente protegidos. E há outros problemas além da falta d'água: quando os rios não são protegidos, as hidrelétricas precisam trocar as turbinas com muita freqüência, por causa de sedimentos carregados pela água. Isso representa um gasto que poderia ser evitado.

Além disso, muitos medicamentos têm princípios ativos obtidos em plantas ou animais.
Alguns remédios contra hipertensão são feitos a partir do veneno de jararaca, sabiam? E recentemente foi descoberta uma planta que combate os efeitos do veneno da surucucu.
Novas aplicações de compostos animais e vegetais estão sendo estudadas hoje, e ainda há muitas espécies pouco conhecidas, muitos princípios ativos para se descobrir.
Reduzir a biodiversidade prejudica a saúde pública e a economia do país!

Falando em saúde pública, foram citados trabalhos que demonstraram um aumento nos vetores de diversas doenças que afetam a saúde humana (como a febre maculosa e o hantavírus) em áreas de cultivo sem espaços de vegetação, em oposição às áreas que mantinham vegetação nativa.

E mais: mantendo um mosaico de áreas de cultivo e áreas de vegetação nativa, os próprios produtores ganham com aumento de produtividade!
Explico: alguns animais (como certas aves ou anfíbios) se alimentam de insetos, e sua presença reduz drasticamente a ocorrência de pragas.
Além disso, a produção de muitos frutos e vegetais cultivados no Brasil depende da ação de animais polinizadores (insetos, por exemplo), que precisam da vegetação nativa para sobreviver. A castanha-do-Pará, por exemplo, é polinizada por certas espécies de abelha que ninguém sabe criar até hoje. Se não tiver mata, não tem mais a abelha, e não tem mais castanha-do-Pará, um produto de exportação importante na nossa economia. Outro exemplo, dado (também) na palestra de Vera Fonseca, professora do Instituto de Biologia da USP, foi o morango. O tamanho desse "fruto" (na verdade, um pseudofruto) depende dos polinizadores, uma vez que quanto mais flores forem fertilizadas, maior é o tamanho do morango.

Para aumentar a produtividade, NÃO é necessário aumentar a área de cultivo.
Mas mesmo se fosse, não é necessário desmatar para aumentar a área de cultivo!
O trabalho da Esalq, apresentado pelo professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, demonstra que os produtores não utilizam toda a área a que têm direito para plantar. E já há muitos métodos disponíveis para aumentar a produtividade na agropecuária, de baixo custo, que não são utilizados pela maioria dos produtores.


Agora, vejam como outras mentiras outros argumentos que circulam em defesa da reforma também não se sustentam:

- “o relator do código florestal realizou audiências públicas e ouviu todos os interessados”
As audiências públicas foram realizadas só para constar. Muitas em dias de copa do mundo e outros eventos, propositadamente para que poucas pessoas comparecessem.
Pessoas contrárias se manifestaram nessas audiências, mas não foram ouvidas; o relator já tinha opinião formada.

- “o impacto da redução da Reserva Legal não é tão grande; 'ilhotas' de vegetação não fazem diferença”
Para muitas espécies essas “ilhotas” fazem toda a diferença. Por exemplo, para aves ou mamíferos de grande porte, que podem utilizá-las para poder se locomover entre duas áreas. Fazem diferença para as plantas – e para o seqüestro de carbono da atmosfera. E podem ajudar o próprio agricultor!

- "a briga é entre aqueles que defendem o desenvolvimento e os interesses nacionais e os 'ecochatos' que defendem os bichinhos e as plantinhas, contra os interesses nacionais"
Gente, sem querer ser repetitiva, NÃO, a gente não precisa desmatar para produzir mais, não precisa destruir a mata para acabar com a fome nem aumentar a produção, e só tem a ganhar com a preservação "dos bichinhos e das plantinhas".
Se os agricultores pararem de pensar no que vão ganhar amanhã ou no ano que vem, e olharem para os próximos cinco, dez anos, vão ver que preservar é melhor para eles e para as suas famílias. Olha, não tô nem pedindo o “impensável”, de pensar no bem dos outros também...

- "os Estados Unidos (ou outro país "mais desenvolvido") não têm nada semelhante à Reserva Legal"
Mas eles também têm parques nacionais e áreas de preservação. Um estudo recente mostra os locais do mundo onde estão as florestas com copas mais altas, e algumas destas estão nos Estados Unidos.
Além disso, e por acaso isso lá é argumento? Se os americanos pulam de um penhasco você pula também??
A Europa já desmatou muito ao longo de sua história. Mas isso não quer dizer que não sofra conseqüências hoje ou no futuro próximo. E ainda há florestas na Europa, também, apesar deles terem bem menos espaço para a agricultura do que nós temos hoje (com Código antigo e tudo).
Por causa do clima e de outros fatores, as florestas daqui têm maior biodiversidade do que as florestas de lá. Por isso, muitos cientistas europeus vêm trabalhar aqui, e se preocupam com a conservação das nossas matas.
(não só das matas, mas também do Cerrado, da Caatinga, do Pantanal...)
Além disso, a tendência atual na Europa e nos Estados Unidos é tornar a agropecuária mais produtiva, ao invés de expandi-la. É nesse caminho que nós também devemos ir.

- "a campanha contra a reforma é encabeçada por ongs fajutas / corruptas" ou "por interesses estrangeiros, que querem controlar o território nacional / não querem que o Brasil cresça"
Essa eu já cansei de ouvir! Teorias da conspiração fazem sucesso, né, gente?
E nada mais fácil do que atacar quem questiona as suas idéias, ao invés de argumentar contra, não é mesmo?
Nem vale a pena discutir se as acusações são verdadeiras ou falsas. Assim como não vale a pena discutir sobre a história da vida e os podres de quem propôs ou defende a reforma do código. Não é disso que estamos falando. A proposta é ruim o suficiente, não precisemos baixar o nível para questioná-la.

- “a lei atual é de 1965, está muito desatualizada”
O nosso Código Florestal atual é uma das leis ambientais mais avançadas do mundo (o que não quer dizer que não precise melhorar).
Além disso, ele já foi modificado por diversas portarias (em 1989, em 2001, em 2006...)
Se prestarem atenção, algumas modificações propostas na reforma levam artigos a uma forma mais parecida com a antiga (por exemplo, ao reduzir a área de proteção à beira dos rios).

- "segundo a lei atual, a maioria dos produtores está na ilegalidade"
Hum... então, a melhor solução é mudar a lei e perdoar todos eles, né?
Que lógica, no mínimo, estranha.
Além disso, como mostrado no debate, algumas propriedades não precisam de muitas modificações para se legalizar. Só falta um pouco de esforço. Ou, talvez, de incentivo.
Agora, muitas propriedades também cometem absurdos, acabam com toda a vegetação, com os rios que passam por ela, em pouco tempo o solo fica pobre, o lugar fica quase abandonado e fica tudo por isso mesmo. Aí não dá!
E estudos demonstraram que, se a lei atual fosse obedecida, não haveria redução na produção(veja minha primeira postagem sobre o assunto).
Algumas pessoas não preservam porque não querem, outras porque não podem, e outras ainda por falta de informação. Não podemos tratar todos os casos da mesma forma, e tirar os deveres de todo mundo certamente não é a resposta.

- "a reforma vai beneficiar os pequenos produtores"
Essa, muitos pequenos produtores, e também o MST, já disseram que é mentira (como já expus, no link logo aí acima).
E olhem esse detalhe: segundo a proposta de reforma, quando um proprietário preservar uma área, ele deve ser compensado pelo governo, com uma quantia proporcional ao tamanho da área (por prestar “serviços ambientais”).
Como se desmatar fosse um "direito" do dono do terreno, e os recursos que ele está destruindo - a vegetação, que reduz o aquecimento global, a fauna e a flora, que poderiam gerar novos medicamentos, a própria água que bebemos - não fossem de todos. Como bem disse Sérgius Gandolfi em sua palestra: se uma fábrica começa a poluir o ar, de quem deve ser a responsabilidade por instalar chaminés e filtros para que isso pare de ocorrer: do governo, ou do dono da fábrica?
Esse dinheiro viria de onde? Ora, dos nossos impostos!
E quem teria uma área maior, e ganharia mais dinheiro? Quem tem um terreno pequeno? Ou os grandes proprietários?

Não caia nessa!


Nós, que somos contra esta proposta de reforma do código, somos chamados de retrógrados e conservadores.
Retrógrada e conservadora é a bancada ruralista! Precisamos de uma nova agropecuária! E o caminho para ela foi apontado pelos cientistas na última terça-feira.
Viver como se não fizéssemos parte do “meio ambiente” - pior, como se ele fosse nosso inimigo -, nós já não podemos mais. É esse pensamento que nos atrasa, e que atrasa o nosso desenvolvimento!


A relação dos deputados que votaram contra e a favor da reforma pode ser vista aqui.
Lembre-se desses nomes nas próximas eleições!

É provável que a Câmara decida votar ainda este ano, após as eleições e antes que os novos deputados e presidente eleitos tomem posse.
Temos que ficar de olho!

Por favor, assine e divulgue o abaixo-assinado no site Avaaz.


Muitos meios de comunicação estão do lado da reforma!
A população está sendo mal informada!
O que mais podemos fazer? Sugestões?

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma coisa as pessoas não entendem. Falam sobre a redução de APPs em margem de Rios, mas não abrem os olhos. Basta fazer um passeio pelo curso de alguns rios para ver que hoje essas APPs não existem. Faz todo sentido que a metragem seja proporcional à largura do rio. Se o mínimo cai para 15 metros e passa a ser realmente cobrado, não teremos a redução de 30 para 15 metros de mata, e sim o aumento de 0 para 15.

Anônimo disse...

Se não cobram 30, vão cobrar 15? O que vai acontecer é só a licença pra desmatar mesmo tentar tapar os furos do proprio governo.