quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cientistas, juízes e celebridades juntos contra o novo Código Florestal

O que está rolando:

A proposta de alteração do Código Florestal (PLC nº 30/2011), aprovada em maio na Câmara dos Deputados, tramita atualmente no Senado.
Ela já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, e será julgada em outras três comissões (Agricultura, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente), antes de ir a plenário.
(diga-se de passagem: aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sem que fossem discutidos seus problemas de constitucionalidade - que é justamente a função da comissão! Começou bem, hein, Senado?)

O senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), relator do projeto nas comissões de Ciência e Tecnologia e de Agricultura, fará a apresentação de seu relatório na próxima terça-feira (25), em reunião conjunta das duas comissões.
O senador prevê que o texto será votado em ambas, também conjuntamente, no próximo dia 8, seguindo para a Comissão de Meio Ambiente. "Com isso, poderemos votar em Plenário antes do fim do mês [novembro]", afirmou ele.

Os ruralistas pressionam para que o novo Código Florestal seja aprovado até o fim do ano.


O que dizem os cientistas:

Em abril, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), as principais sociedades científicas brasileiras, já tinham apresentado um relatório sobre o Código Florestal, fruto de quase um ano de trabalho, na forma de um livro intitulado "O Código Florestal e a Ciência, Contribuições para o Diálogo".

livro O Código Florestal e a Ciência; relatório dos cientistas da ABC e SBPC sobre a PL 1876/99No relatório, os cientistas condenavam diversos pontos da proposta, particularmente a redução das Áreas de Proteção Permanente (APPs); apresentavam evidências de que mais desmatamento não é necessário para o aumento da produção agrícola brasileira (um dos principais argumentos a favor da proposta - e uma óbvia falácia, uma vez que há países com território muito menor que o Brasil, com maior proporção de cobertura vegetal e que ainda assim conseguem produzir e exportar mais do que nós); e pediam o adiamento das votações para que uma lei melhor, e com embasamento científico, pudesse ser elaborada.

Nem preciso dizer que a ciência foi totalmente ignorada pela Câmara dos Deputados.

Agora, a SBPC e a ABC tentam ser ouvidas novamente.
No dia 11 de outubro, foi entregue aos senadores um documento com propostas para embasar as mudanças na lei.
"Nosso primeiro trabalho foi mais de cunho científico, mostrando como a ciência poderia colaborar. Mas nas vezes em que fomos ao Congresso, nos cobraram propostas concretas. Esse documento tem esse objetivo", explica o professor José Antônio Aleixo, coordenador do grupo de trabalho sobre Código Florestal da SBPC e da ABC.

O documento apresenta 10 pontos, todos com referências científicas.

O primeiro deles refuta o argumento a favor da mudança do Código de que a lei vigente impede a expansão da produção agrícola: "Não existe o dilema entre conservar/preservar o meio ambiente e produzir alimentos". O principal obstáculo à expansão "é a falta de adequação de sua política agrícola (...) e não as restrições ambientais colocadas pelo Código Florestal brasileiro. Bastaria um aumento marginal da produtividade da pecuária brasileira, que é notoriamente ineficiente e ocupa 2/3 das áreas agrícolas disponíveis hoje no Brasil, para disponibilizar em torno de 60 milhões de hectares para a agricultura, o que mais do que dobraria a área agrícola atual".

O segundo ponto defende que "todas as APPs de beira de cursos d'água devem ter sua vegetação preservada e naquelas em que essa vegetação foi degradada elas devem ser integralmente restauradas".

O terceiro ponto trata das Áreas Rurais Consolidadas em APPs, e afirma que a proposta atual é injustificável e inconstitucional: "A Constituição Federal Brasileira expressa claramente que não há direito adquirido na área ambiental, pois o meio ambiente pertence à coletividade e, desta forma, os interesses da sociedade se sobrepõem ao direito particular, o que certamente levaria à inconstitucionalidade na regulamentação dessa norma. (...) A definição de área rural consolidada deve ser retirada do texto".
Casos particulares, como o cultivo de arroz, devem ter um tratamento diferenciado (ao invés de servir como justificativa para "liberar geral", como na proposta atual).

O quarto ponto propõe a inclusão dos mangues e apicuns como APPs, devido à sua importância ecológica.

O quinto ponto critica a compensação de Reserva Legal dentro do mesmo bioma, prevista no relatório. "A compensação da Reserva Legal deve ser em áreas mais próximas possíveis, dentro da mesma unidade fitoecológica (mesmo ecossistema), de preferência na mesma microbacia ou bacia, para que haja a desejada equivalência ecológica, de composição, de estrutura e de função".

O sexto ponto defende que as APPs não sejam incluídas no cômputo das Reservas Legais, uma vez que elas apresentam estruturas e funções distintas, e "a somatória de APP e RL em áreas agrícolas consolidadas, fora da Amazônia Legal, permite a manutenção de cobertura de vegetação nativa em torno de um de um limiar de 30% da área, que vem se mostrando como um patamar mínimo de cobertura natural para se evitar a extinção massiva de espécies na paisagem".

O sétimo ponto aponta que "a permissão do uso de espécies exóticas em até 50% da RL é extremamente prejudicial para as principais funções da RL: conservação da biodiversidade nativa e uso sustentável de recursos naturais". O uso de espécies exóticas nas RLs deve ser permitido apenas nas fases iniciais de restauração, e com controle.

O oitavo ponto defende que "o tratamento diferenciado no Código Florestal deve ser atribuído à Agricultura Familiar", que "é definida na Lei 11.326/2006, art.3, com quatro critérios que devem ser simultaneamente observados".
Na proposta atual, em nome da "agricultura familiar", é dado tratamento diferenciado a propriedades de até 4 módulos fiscais, o que pode chegar a 400 hectares na Amazônia. Isso é uma "pegadinha": permitiria que grandes proprietários desmembrem suas propriedades e não tenham que preservar nada!

O nono ponto mostra que "o custo de restauração de áreas degradadas" é "bem menor do que o apregoado em defesa do PLC 30/2011" (!!!), e aponta maneiras para que essa restauração seja implementada.

Por fim, o décimo ponto mostra a importância da preservação e restauração da vegetação ripária (a vegetação associada a cursos d'água). "A faixa ripária ocupada por vegetação nativa promove vários serviços ambientais fundamentais para a própria agricultura e para a qualidade de vida da sociedade em geral. Esses serviços são fundamentais no processo de tecnificação da agricultura brasileira".

Clique aqui para ler o documento na íntegra.



E do ponto de vista legal?

Durante a discussão na CCJ, senadores de vários partidos – PT, PSDB, PDT, PRB, PSOL, PSB e até do DEM – já haviam questionado vários pontos do projeto e levantado dúvidas quanto à constitucionalidade de diversos aspectos.

O documento da SBPC e da ABC aponta algumas inconstitucionalidades na proposta.

Após este ser entregue, a Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) divulgou uma nota pública em que clama para que os cientistas sejam ouvidos e "diz NÃO ao PLC 30/2011, por sua patente inconstitucionalidade material, à luz dos dados científicos desvelados, e protesta por sua rejeição".

Clique aqui para ler a nota.


E a sociedade civil, não faz nada?!?

Pelo contrário!
Já foram feitas várias manifestações, nas ruas e na internet, contra essa proposta horrorosa - se quiser, dê uma olhada nas postagens mais antigas aqui do blog com o tema "Código Florestal" para saber mais.

Mas os ruralistas têm muito dinheiro e muita influência no legislativo.
É preciso maior mobilização!

O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, formado por 152 organizações da sociedade civil brasileira, lançou em junho a campanha #florestafazadiferenca.

VOCÊ pode participar, assinando a petição e divulgando a campanha!
Você pode, também, imprimir a petição e colher assinaturas de seus amigos, familiares e colegas de escola/trabalho.

o ator Wagner Moura apóia a campanha #florestafazadiferenca em defesa do Código FlorestalDiversas celebridades nacionais se juntaram à causa, incluindo Gilberto Gil, Arnaldo Antunes e Wagner Moura.

O cineasta Fernando Meirelles gravou um depoimento em vídeo sobre o assunto, e pediu a seus amigos e colegas que fizessem o mesmo. Segundo Meirelles, os depoimentos não param de lotar a sua caixa de e-mail.

Assista alguns deles:

Fernando Meirelles


Wagner Moura


Alice Braga


Gisele Bündchen


José Eli da Veiga (professor e agrônomo)


Ricardo Abramovay (professor do Departamento de Economia da FEA/USP)


Outro modo de ajudar é pressionando os Senadores! Mande e-mails, mensagens no twitter, telefone!
Clique aqui para ver a lista dos Senadores em exercício.

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