segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Primavera nos EUA?

Declaradamente inspirados na chamada Primavera Árabe, centenas de manifestantes estão acampados há mais de duas semanas na praça Liberty em Nova York, a duas quadras de Wall Street.

O movimento descentralizado, denominado Ocupar Wall Street, protesta contra a corrupção e os privilégios do setor financeiro, representado pelos corretores e executivos de Wall Street, e os auxílios financeiros do governo aos bancos e corporações durante a crise.
"Somos os 99% da população que não toleram mais a ganância e a corrupção do 1% restante", diz o site do movimento, occupywallst.org


No último sábado (01/10), cerca de 1500 manifestantes ocuparam a ponte do Brooklyn, bloqueando o tráfego. A polícia repreendeu a manifestação e prendeu mais de 700 pessoas, com respaldo da prefeitura de Nova York.

Segundo alguns manifestantes, a polícia teria preparado uma armadilha, permitindo que eles ocupassem a pista para, depois de percorrido um terço da ponte, cercá-los e prendê-los. A polícia nega e afirma que deu ordens explícitas para que os manifestantes não ocupassem a pista, e que aqueles que permaneceram na área para pedestres não foram detidos. No entanto, o New York Times diz que, horas antes, já haviam sido despachados 10 caminhões para a área, para transporte de presos, sugerindo que as prisões foram um movimento planejado.

Ocupar Wall Street no New York Times: leva apenas 20 minutos para mudar a culpa de lugar
Imagem divulgada no site occupywallst.org, mostrando alteração na cobertura
dos acontecimentos do dia 1 de outubro no site do New York Times:
Às 18h59, a notícia assinada por Colin Moynihan afirmava que "depois de permitir que ocupassem a ponte,
a polícia barrou e prendeu dúzias de manifestantes do Ocupar Wall Street"
Às 19h19, a mesma notícia, agora assinada por Colin Moynihan e Al Baker, dizia que "em um tenso confronto, a polícia prendeu centenas de manifestantes do Ocupar Wall Street após eles marcharem sobre a pista em direção ao Brooklyn"

Apesar da repressão, os protestos estão crescendo.

Manifestações menores estão se espalhando por outras cidades, como a ação "Ocupar Los Angeles", que reuniu centenas de pessoas no sábado. Em Boston, 24 pessoas foram presas em um protesto no Bank of America na sexta-feira.

Os manifestantes em Nova York contam com o apoio de algumas celebridades, como a atriz Susan Sarandon, o diretor Michael Moore e o lingüista Noam Chomsky, e de muitos fuzileiros navais. No sábado, os sindicatos dos trabalhadores do setor siderúrgico, dos professores, do setor de serviços e do setor de transportes declararam apoio ao movimento. Uma grande manifestação conjunta está sendo anunciada para a próxima quarta-feira.


Leia a seguir o primeiro comunicado oficial do Ocupar Wall Street (tradução de Idelber Avelar, da revista Fórum; original no site occupywallst.org):
Este comunicado foi votado unanimemente pelos membros do Ocupar Wall Street, por volta das 20:00 do dia 29 de setembro. É nosso primeiro documento oficial. Temos outros três em preparação, que provavelmente serão lançados nos próximos dias: 1) uma declaração de demandas do movimento; 2) princípios de solidariedade; 3) documentação sobre como formar o seu próprio Grupo de Ocupação de Democracia Direta.

Este é um documento vivo. Você pode receber uma cópia oficial da última versão pelo e-mail c2anycga@gmail.com.

Ao nos reunirmos em solidariedade para expressar um sentimento de injustiça massiva, não devemos perder de vista aquilo que nos reuniu. Escrevemos para que todas as pessoas que se sentem atingidas pelas forças corporativas do mundo saibam que somos suas aliadas.

Unidos como povo, reconhecemos a realidade: que o futuro da raça humana exige a cooperação de seus membros; que nosso sistema deve proteger nossos direitos e que, ante a corrupção desse sistema, resta aos indivíduos a proteção de seus próprios direitos e daqueles de seus vizinhos; que um governo democrático deriva seu justo poder do povo, mas as corporações não pedem permissão para extrair riqueza do povo e da Terra; e que nenhuma democracia real é atingível quando o processo é determinado pelo poder econômico. Nós nos aproximamos de vocês num momento em que as corporações, que colocam o lucro antes das pessoas, o interesse próprio antes da justiça, e a opressão antes da igualdade, controlam nosso governo. Nós nos reunimos aqui, pacificamente, em asssembleia, como é de direito nosso, para tornar esses fatos públicos.

Elas tomaram nossas casas através de um processo de liquidação ilegal, apesar de que não eram donos da hipoteca original.

Elas receberam impunemente socorro financeiro tirado dos contribuintes, e continuam dando bônus exorbitantes a seus executivos.

Elas perpetuaram a desigualdade e a discriminação no local de trabalho, baseados em idade, cor da pele, sexo, identidade de gênero e orientação sexual.

Elas envenenaram a oferta de comida pela negligência e destruíram a agricultura familiar através do monopólio.

Elas lucraram com a tortura, o confinamento e o tratamento cruel de incontáveis animais não-humanos, e deliberadamente escondem essas práticas.

Elas continuamente arrancaram dos empregados o direito de negociar melhores salários e condições de trabalho mais seguras.

Elas mantiveram os estudantes reféns com dezenas de milhares de dólares em dívidas pela educação, que é, em si mesma, um direito humano.

Elas consistentemente terceirizaram o trabalho e usaram essa terceirização como alavanca para cortar salários e assistência médica dos trabalhadores.

Elas influenciaram os tribunais para que tivessem os mesmos direitos que os seres humanos, sem qualquer das culpabilidades ou responsabilidades.

Elas gastaram milhões de dólares com equipes de advogados para encontrar formas de escapar de seus contratos de seguros de saúde.

Elas venderam nossa privacidade como se fosse mercadoria.

Elas usaram o exército e a polícia para impedir a liberdade de imprensa.

Elas deliberadamente se recusaram a recolher produtos danificados que ameaçavam as vidas das pessoas, tudo em nome do lucro.

Elas determinaram a política econômica, apesar dos fracassos catastróficos que essas políticas produziram e continuam a produzir.

Elas doaram enormes quantidades de dinheiro a políticos cuja obrigação era regulá-las.

Elas continuam a bloquear formas alternativas de energia para nos manter dependentes do petróleo.

Elas continuam a bloquear formas genéricas de remédios que poderiam salvar vidas das pessoas para proteger investimentos que já deram lucros substanciais.

Elas deliberadamente esconderam vazamentos de petróleo, acidentes, arquivos falsificados e ingredientes inativos, tudo na busca do lucro.

Elas deliberadamente mantiveram as pessoas malinformadas e medrosas através de seu controle da mídia.

Elas aceitaram contratos privados para assassinar prisioneiros mesmo quando confrontadas com dúvidas sérias acerca de sua culpa.

Elas perpetuaram o colonialismo dentro e fora do país.

Elas participaram da tortura e do assassinato de civis inocentes em outros países.

Elas continuam a criar armas de destruição em massa para receber contratos do governo.

Para os povos do mundo,

Nós, a Assembleia Geral de Nova York que ocupa Wall Street na Praça Liberdade, os convocamos a que façam valer o seu poder.

Exercitem o seu direito a assembleias pacíficas; ocupem os espaços públicos; criem um processo que lide com os problemas que enfrentamos; e gerem soluções acessíveis a todos.

A todas as comunidades que formem grupos e ajam no espírito da democracia direta, nós oferecemos apoio, documentação e todos os recursos que temos.

Juntem-se a nós e façam com que suas vozes sejam ouvidas!

*Estas demandas não são exaustivas.

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Assim como outros tantos protestos descentralizados realizados atualmente, o Ocupar Wall Street parece pecar pela falta de objetivos comuns (segundo alguns manifestantes, "não importa contra o quê você proteste, venha protestar!") e pela falta de profundidade dos questionamentos. Os pontos de objeção são certamente pertinentes, mas poucos parecem procurar as causas por trás deles.
As grandes corporações e os multimilionários ("o 1% da população que detém 50% da riqueza") controlam a política, e isto dificilmente vai mudar. Mas quero ser otimista e desejar sucesso aos manifestantes; pelo menos o fim da isenção de impostos dos mais ricos já seria uma grande conquista para os estadunidenses.
No entanto, seria ingenuidade esperar mudanças na essência do sistema capitalista americano.


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Para entender a revolta:
Assista o documentário vencedor do Oscar Trabalho Interno ("Inside Job"), sobre o poder e os podres de Wall Street. Veja o trailer:


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