terça-feira, 22 de junho de 2010

Por que defender as baleias?

jubarte A Comissão Baleeira Internacional está reunida esta semana em Agadir, no Marrocos.
Sofrendo pressão de ambientalistas, de um lado, e de países que caçam baleias (Japão, Islândia e Noruega), de outro, e em meio a acusações de corrupção, a reunião pode ser decisiva para o futuro desses animais.

Uma proposta que abre um precedente perigoso está sendo seriamente considerada: acabar com a moratória à caça, em vigor desde 1986, autorizando a caça comercial aos três países, pelos próximos dez anos.
Defensores da proposta afirmam que liberar a caça e definir cotas anuais poderia, ao contrário do que se supõe, reduzir o número de baleias mortas anualmente.
Se um acordo entre os dois lados não for alcançado, o Japão ameaça sair da Comissão Baleeira Internacional.

A moratória não proibe todo e qualquer tipo de caça. Ela permite que povos que caçam de forma tradicional (de forma não predatória) como parte de sua cultura mantenha a prática, e também permite que se mate um determinado número de baleias para "fins científicos" (cláusula da qual o Japão se aproveita para matar milhares de baleias todos os anos - e que precisa de regulamentação para definir quais "fins científicos" são justificáveis e quais não são).

cachalote O site de cyberativismo Avaaz já coletou mais de 1 milhão e 20 mil assinaturas contra essa proposta - veja (e assine) aqui. O Greenpeace também está recolhendo assinaturas.


Como pode uma cultura que considera normal matar e comer vacas condenar a caça de baleias pelo povo japonês? Ou, nas palavras de Ian Moore em um comentário à coluna no site da BBC News "Whales and dolphins - 'resource' or 'right'?" (de Margi Prideaux), "o que acharíamos se hindus começassem a usar ações diretas para nos impedir de continuar comendo bife"?

(aqui eu preciso abrir parênteses e dizer que, no mínimo, tanto as baleias quanto as vacas deveriam ser tratados com respeito e "humanamente", o que não acontece... e acrescento que diminuir o consumo de carne bovina não é bom somente para os bois e vacas, mas é bom também para a sua saúde e para a saúde do planeta)

Não podemos defender as baleias apenas com argumentos de que elas são lindas e majestosas, pois isso é relativo.
E apelar para o valor da vida cai no embate acima: se você defende as baleias mas não é vegetariano, você é um hipócrita.

O texto de Margi Prideaux usa como argumento contra a caça as inúmeras pesquisas científicas que vêm demonstrando que cetáceos (baleias e golfinhos) têm capacidades cognitivas (vulgo "inteligência") impressionantes e incrivelmente semelhantes às nossas (o que é ainda mais espantoso, porque eles vivem em um ambiente muito diferente do nosso e nossas linhagens evolutivas divergiram a muitos milhões de anos.
Com base nisto, Prideaux acredita que os cetáceos merecem ser tratados de modo diferenciado dos outros animais - com maior respeito.

Fazem falta, no texto, referências a alguns trabalhos científicos. Dentre os comentários, havia quem duvidasse das afirmações da autora.
Existem muitos artigos, alguns disponíveis online gratuitamente. Golfinhos e baleias são, mesmo, muito "inteligentes".

Claro, suas capacidades são bem diferentes das nossas em muitos aspectos. Por exemplo, algumas espécies são capazes de "enxergar" utilizando o som ("sonar"), o que é muito útil quando se vive na água e a luz nem sempre está presente ou a visão não é muito confiável. Cetáceos também não dormem como nós, mas descansam partes do cérebro alternadamente, o que também é útil quando se tem que subir à superfície da água para respirar.

Mas os cetáceos também fazem coisas que poucos animais, além de nós, podem fazer, ou ainda que pensávamos ser exclusivamente humanas. Golfinhos, por exemplo, vivem em sociedades muito complexas (talvez só comparáveis às nossas, em termos das exigências cognitivas para a vida nestas sociedades); se reconhecem no espelho (ver artigo de Reiss & Marino, 2001 - disponível gratuitamente e com fotos e vídeos!); algumas espécies possuem sons únicos associados a cada indivíduo ("assobios-assinatura"); compreendem gestos referenciais ("apontar") feitos por humanos e apontam objetos para humanos espontaneamente (sem treinamento) (Xitco et al., 2001 - artigo também gratuito e com muitas fotos); são capazes de imitar sons e movimentos corporais; e talvez sejam capazes de ensinar ativamente seus filhotes (conforme descrito no artigo muito legal de Bender et al., 2009, com vídeos e tudo - disponível aqui, mas é preciso pagar para acessar, infelizmente).

golfinho imita gestos humanos
Golfinho nariz-de-garrafa imita gestos humanos - imagens do site do Dolphin Institute, de pesquisas com golfinhos

Para quem acredita que tamanho é documento, os golfinhos possuem o segundo maior tamanho de cérebro em relação ao corpo (perdendo só para os humanos, mas ganhando dos chimpanzés), e o maior número de circunvoluções ("dobras" - mais do que nós!).
cérebro humano comparado ao cérebro de um golfinho nariz-de-garrafa
Comparação entre o cérebro humano e o de um golfinho nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus)
Do artigo "Convergence of Complex Cognitive Abilities in Cetaceans and Primates" (Marino, 2002)

E tanto golfinhos quanto baleias transmitem comportamentos socialmente - e esses comportamentos se modificam ao longo do tempo e variam entre diferentes populações, podendo-se dizer (a depender da definição que se dá à palavra) que esses aimais possuem "cultura". Por exemplo, o canto da baleia jubarte modifica-se pouco a pouco ao longo dos anos e varia entre diferentes populações, e se um indivíduo imigrar para uma nova população é possível que os residentes imitem seu canto. E grupos de orcas ("pods") em Vancouver, Canadá, podem ser diferenciados pelo seu conjunto de vocalizações (que os pesquisadores chamam de "dialetos").
(veja o site da pesquisa com as orcas em Vancouver)


Tudo isso é fascinante, mas será que é motivo suficiente para proteger esses animais?
Isso implica discussões éticas e morais profundas... quão "inteligente" um animal precisa ser para ter direito à vida?

O melhor argumento contra a caça é que baleias e golfinhos correm, sim, seríssimo risco de extinção, e a taxa de reprodução deles é muito baixa, de modo que indivíduos mortos dificilmente são repostos e a população declina rápido.
Apesar da "proibição", a caça mata aproximadamente 2 mil baleias por ano, incluindo espécies à beira da extinção como a baleia azul (Balaenoptera musculus, o maior animal que já existiu na Terra), a cinzenta (Eschrichtius robustus), a franca do norte (Eubalaena glacialis) e a bowhead, ou cabeça-redonda (Balaena mysticetus).
Só o Japão caça mais de mil baleias por ano, e nos territórios que foram declarados santuários de baleias em 1994 pela sua importância para a conservação desses animais, nos oceanos Índico e Austral.

E ninguém jamais menciona que, além da caça, a sobrevivência das baleias também é ameaçada pelas mudanças climáticas, pelas contaminações (dúzias de golfinhos já foram encontrados mortos em decorrência do vazamento de petróleo no Golfo do México!), pelo desequilíbrio ambiental e escassez de alimento, pelas capturas acidentais e pela poluição sonora dos oceanos.

Além disso, os animais demoram para morrer, são esquartejados vivos, e certamente sofrem muito - tanto os animais que são mortos quanto os que sobrevivem.
E isso é o mais difícil de aceitar.
O sofrimento de qualquer pessoa ou animal deve ser evitado a todo custo!


Ontem (segunda-feira), foi distribuído na reunião um relatório sobre a situação das baleias, para guiar as decisões da Comissão. Segundo o relatório, seria permitido matar até 3.860 baleias até 2014 (uma redução de apenas 8% em relação às capturas atuais).
Porém, muitos pesquisadores discordam dessa afirmação. Vincent Ridoux, delegado científico francês em Agadir, afirmou que essas cifras são "resultado mais de negociações políticas que de trabalhos científicos". E mais, "três quartos das delegações não têm pessoal científico, e então apenas abordam o tema do ponto de vista político".
["Acusada de seguir interesses políticos, Comissão Baleeira busca acordo"(Google Notícias)]

É, parece que as perspectivas não são muito boas para as baleias.

Como o presidente da CBI está ausente por motivo de doença, a reunião será presidida por Anthony Liverpool, vice-presidente, de Antígua e Barbuda. Ilha do Caribe que, tradicionalmente, vota a favor do Japão. Segundo reportagem do jornal britânico Sunday Times, a fatura de hotel de Liverpool em Agadir está sendo paga por um empresário japonês.
Pior: ainda de acordo com a reportagem, representantes africanos e caribenhos admitiram ter votado a favor da caça, após terem recebido promessas de ajuda, dinheiro e prostitutas do Japão.
["Comissão Baleeira busca equilíbrio entre o comércio e a proteção" (Google Notícias)]


Carne de baleia não é um recurso que faz falta a ninguém, e sim uma iguaria que pouquíssimas pessoas nos países que defendem a caça consomem.
Os únicos motivos por trás dessa defesa da permissão à caça são o lucro de poucos, colocado acima de tudo, e uma afirmação de poder político e não-submissão aos interesses "estrangeiros".
É, principalmente, uma questão de "orgulho" por parte dos japoneses.

Há muito tempo que as ações de um país ultrapassaram as fronteiras internacionais. O que o Japão faz ou deixa de fazer tem repercussão no mundo inteiro.
O ar é de todos. O oceano é de todos.

É fato que a moratória à caça não está funcionando. Mas o raciocínio de permitir a caça para diminui-la é, no mínimo, perigoso...
Esta reunião está indo na contramão dos esforços globais para a conservação do planeta.
É preciso avançar, e não retorceder!

fêmea e filhote de jubarte
A questão é polêmica.
Eu assinei o abaixo-assinado no Avaaz e no site do Greenpeace, e peço que você assine também!

Uma Baleia Para Matar - capa
Sugiro a leitura do livro "Uma Baleia Para Matar", de Farley Mowat (editora Veredas).

Eu chorei quando li.

5 comentários:

Lidia de Oliveira disse...

Oi Mary Lee!!!
Parabéns pelo post.
Eu tinha acabado de assinar a petição, quando em seguida visitei o seu blog e para minha surpresa, você tinha acabado de postar, e eu adorei esta sintonia de pensamentos.
Eu estava pensando em colocar um post no meu blog sobre o assunto, mas o seu esta tão bom, que vou apenas fazer um link para o seu.
Bjs.
Lidia de Oliveira.

Mari Lee disse...

Atualização: parece que a reunião da CBI não vai dar em nada e um acordo vai ficar para a próxima vez...
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Muito-segredo-por-nada/

Anônimo disse...

Amigo. Moro no Pará e queria muito pedir sua ajuda para divulgar esta causa.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/790192-ibama-apreende-14-t-de-barbatanas-de-tubarao-irregulares-no-para.shtml

Por ano morrem 280 MIL TUBARÕES AQUI NA REGIÃO. SÓ APROVEITAM AS BARBATANAS E O RESTO VAI PARA O LIXO.
Se ficar com medo de clicar no link, procure a matéria pelo Google, Saiu na folha e em outros veículos.

Por favor, ajude a divulgar a causa para parar com esse assassinato de tubarões aqui no Brasil.
A causa é muito séria. Animais em extinção.
Grata!

Williana Lascaleia disse...

Ola, poderia me conceder uma entrevista?
Eu preciso realizar uma materia para o Jornal Inove sobre o encalhe das baleias. A entrevista é por e- mail e terá entre 3 a 4 perguntas.
No aguardo,
Williana
willianapaula@hotmail.com

Joaquim Leonam disse...

Mas que porcaria de texto, hein...