(Guest post de Gau; meus comentários em itálico)No último sábado, comemorou-se, na Bahia, a data de 2 de julho. Comemoração que passa completamente despercebida no restante do país. E o que se comemora nessa data? Nada menos que o fim das lutas de Independência do Brasil, com a expulsão das tropas portuguesas em 2 de julho de 1823.
Parece estranho se falar de guerra de Independência, quando aprendemos na escola que a Independência do Brasil foi proclamada em 7 de setembro de 1822, quando, às margens plácidas do riacho Ipiranga, em São Paulo, o então príncipe regente D. Pedro bradou “Independência ou Morte” , e depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde, em 12 de outubro, foi proclamado imperador. Tudo de forma pacífica. A realidade na Bahia (e no Piauí, onde se travou a Batalha do Jenipapo, em março de 1823), entretanto, foi outra. Houve guerra, violentas batalhas em terra e mar, e milhares de vítimas.
Para se compreender a independência e a guerra ocorrida na Bahia é preciso retroceder um pouco nos fatos históricos daquela época. O Brasil foi uma Colônia de Portugal até 1808. Ser Colônia significava, do ponto de vista econômico, ter apenas relações comerciais com a metrópole, para onde se exportava matéria prima e de onde se importava todo tipo de manufaturados. Do ponto de vista político, significava seguir e obedecer integralmente as ordens e leis da metrópole, sem governo próprio.
Com a vinda da família real, em 1808, fugindo da invasão de Portugal por tropas napoleônicas, a situação brasileira muda e o país perde a condição de Colônia. O comércio é aberto a outras nações, especialmente a Inglaterra, e o Brasil passa a ser sede de governo, integrando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
A derrota de Napoleão leva os portugueses, em Portugal, a buscar retomar o domínio de seu exército (que estava sob comando inglês) e o retorno à sua condição de metrópole sede do reino. Em 1820 ocorre a Revolução Liberal do Porto, que exige o regresso de D. João VI a Portugal, o retorno do chamado Pacto Colonial (restrição do comércio brasileiro exclusivamente com a metrópole) e propõe a formação das Cortes Constituintes.
D. João volta efetivamente a Portugal, deixando Pedro como príncipe regente do Brasil. No final de 1821, as Cortes portuguesas decretam o fim da regência e o retorno do príncipe. Em 9 de janeiro de 1822, pressionado pelo partido brasileiro e pelos liberais do país, ele decide desobedecer às Cortes e ficar no Brasil. Este é o significado do “Dia do Fico”, que estudamos na escola. Em 7 de setembro, às margens do Ipiranga, ele recebe novas cartas da Corte, desta vez exigindo o seu retorno e sua submissão. É quando ocorre o grito “Independência ou Morte”.
Nesse contexto se entende melhor a guerra. Na Bahia, havia uma grande população civil de portugueses e grande contingente de soldados portugueses no exército e marinha. A cisão entre brasileiros e portugueses começa a se agravar a partir de 1821, com os primeiros conflitos. Em novembro daquele ano, por exemplo, soldados portugueses atacaram soldados brasileiros nas ruas de Salvador, culminando em um confronto maior na Praça da Piedade.
Em fevereiro de 1822, é destituído o comandante das Armas, favorável ao rompimento com Portugal, e nomeado outro, completamente submisso às Cortes: Madeira de Melo. Tropas portuguesas tomam, após violentos confrontos, quartéis em Salvador em poder de soldados brasileiros. E invadem o Convento da Lapa, de freiras, onde se haviam refugiado revoltosos. À porta do convento, matam a abadessa Joana Angélica, que tentava impedir a invasão. Joana Angélica foi a primeira mártir da guerra da Independência. Surpreendentemente, ninguém sabe disso.
Outros conflitos se sucedem. Representantes da Bahia nas Cortes de Lisboa consultam por carta seus municípios sobre qual a posição da Bahia com relação a Portugal. As cidades de Cachoeira e São Francisco do Conde, seguidas pelas demais do Recôncavo, se manifestam favorável à regência e ao príncipe regente e contra as decisões da Corte. Em 25 de junho de 1822 essa posição é oficializada pela Câmara de Cachoeira. Uma escuna militar enviada por Madeira de Melo chega à cidade. Três dias depois, inicia-se o combate e o povo toma a embarcação. É o começo da guerra.
Reforços chegam à Bahia para apoio às tropas portuguesas. Da parte dos brasileiros, soldados se juntam ao povo, que se arma e se mobiliza para a guerra. Surge uma heroína: Maria Quitéria, jovem que se veste de homem e se alista como voluntário, participando de inúmeras batalhas. Um herói: Luís Lopes, o Corneteiro Lopes, português que lutava do lado brasileiro. Na batalha de Pirajá, com as tropas portuguesas em maior número e quase a vencer, o comandante brasileiro ordena o toque de retirada. Por conta própria, o Corneteiro Lopes substitui pelo toque de avançar cavalaria. Surpresas e em pânico, as tropas portuguesas se desorganizam e acabam derrotadas e em fuga.
que liderou a resistência aos portugueses na ilha de Itaparica:
A guerra na Bahia prosseguirá violenta até 2 de julho de 1823 quando, derrotado, Madeira de Melo embarca para Portugal com sua tropa, e vitoriosas, as tropas brasileiras entram na capital.
O símbolo da independência na Bahia é o caboclo, identificado como o índio dono original da terra, em oposição ao colonizador europeu. Há em Salvador o monumento ao 2 de Julho, encimado pela figura do índio. Nos festejos da data, há desfile com as imagens do índio e da índia pelas ruas de Salvador.
Abaixo: detalhes do monumento - à esquerda, o caboclo, representando o povo brasileiro; à direita, Maria Quitéria
O Hino a 2 de julho foi, no ano passado, oficializado como Hino do Estado da Bahia. E o poeta baiano Castro Alves – o Poeta da Liberdade – escreveu vários poemas comemorativos, sendo o mais conhecido a Ode ao 2 de Julho:
Ode ao 2 de Julho*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*
Era no Dous de Julho
A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia…
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
“Neste lençol tão largo, tão extenso,
“Como um pedaço roto do infinito …
O mundo perguntava erguendo um grito:
“Qual dos gigantes morto rolará?! …
Debruçados do céu. . . a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado…
Era tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma — o vasto chão!
Por palmas — o troar da artilharia!
Por feras — os canhões negros rugiam!
Por atletas — dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!
Não! Não eram dous povos os que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado…
Era o porvir — em frente do passado,
A liberdade — em frente à escravidão.
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso — contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva — e do clarão! …
No entanto a luta recrescia indômita
As bandeiras – corno águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz…
Tonto de espanto, cego de metralha
O arcanjo do triunfo vacilava…
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!
Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Foram cantar os hinos do arrebol,
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina.
Eras tu — liberdade peregrina!
Esposa do porvir — noiva do Sol!…
Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide
Formada pelos mortos do Cabrito,
Um pedaço de gládio — no infinito…
Um trapo de bandeira — n’amplidão!...
(fotos de Eduardo Martins; veja mais imagens no site do jornal A Tarde)
O nome do aeroporto da cidade de Salvador homenageava a data histórica. Porém, em 1998, os baianos foram surpreendidos com a mudança repentina do nome para Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, em homenagem ao filho do ex-senador Antônio Carlos Magalhães.
Tramitando no Congresso Nacional desde 2002, o Projeto de Lei 6.106/02 do Deputado Federal Luiz Alberto (PT/BA) luta para trazer de volta o nome do Aeroporto 2 de Julho.
Você pode ajudar: visite www.meuaeroportoe2dejulho.com.br
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