terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Jango

Hoje é o aniversário da morte do ex-presidente João Goulart, derrubado pelo golpe militar de 1964.
Gau gentilmente escreveu um
guest post sobre ele:

João Goulart em 1963 - foto de divulgação do livro João Goulart - uma biografia, do historiador Jorge Ferreira
Há 35 anos, em 6 de dezembro de 1976, morreu no exílio, na Argentina, João Goulart, o Jango, um dos melhores presidentes que o Brasil já teve e uma das mais importantes lideranças políticas do país. Com um projeto político de desenvolvimento e de redução da desigualdade social que só recentemente voltou a ser prioridade na política brasileira, Jango esteve à frente de seu tempo e por isto foi violentamente atacado pela direita e incompreendido e marginalizado pelas esquerdas de sua época.

Derrubado pelo golpe de 1º de abril de 1964, tentaram colocá-lo no limbo da história, como se ele mesmo fosse o culpado pela sua deposição, que resultou numa ditadura de mais de 20 anos. Classificaram-no de incompetente, despreparado, fraco. Mas essa versão que estão nos contando está virada do avesso. A verdade é bem outra. O governo Jango caiu pelas suas virtudes, não por seus defeitos, como disse o antropólogo Darcy Ribeiro, que foi seu ministro da Casa Civil.

Jango era um rico fazendeiro gaúcho. Poderia ser apenas isso e cuidar exclusivamente de ampliar suas propriedades e enriquecer mais ainda. Na política, poderia ser somente um defensor dos interesses da sua classe, como faz hoje a bancada ruralista no Congresso. Mas Jango entrou na política do lado dos mais fracos. E construiu uma carreira: foi deputado estadual, secretário estadual de governo, deputado federal, Ministro do Trabalho, vice-presidente da República (o que lhe dava a condição de presidir o Senado), antes de chegar à Presidência, com a renúncia de Jânio Quadros. Não era, portanto, um despreparado. Ao contrário. E não era tampouco um desconhecido. Como candidato a vice, recebeu mais votos que o candidato a presidente.

capa do livro João Goulart: Entre a Memória e a História, de Marieta De Moraes FerreiraNão era socialista nem queria realizar uma revolução para implantar o comunismo, como foi tão intensamente acusado. A historiadora Marieta de Moraes Ferreira, em "João Goulart: entre a memória e a história", diz que a política implementada pelo governo Jango teve como marcas principais a preocupação social e a defesa da economia nacional. Dito de uma forma bem simplificada, queria, dentro do capitalismo e das regras democráticas e constitucionais, realizar uma política de desenvolvimento nacionalista (herança da política de Getúlio Vargas) calcada na substituição de importações e no aumento da capacidade de produção interna, mas com redistribuição de renda e participação popular.

Isto significava, entre outras coisas, elevar o poder aquisitivo dos trabalhadores e marginalizados, incorporando-os ao mercado de consumo (sua reforma agrária previa a redistribuição de terra e criação de uma classe numerosa de pequenos proprietários), o que também estimularia a produção interna e o mercado de trabalho, criando um dinamismo na economia e um desenvolvimento mais justo e equilibrado. Não é isto que começou a ser feito por Lula e continua no governo Dilma?

A tese de doutorado "O projeto de nação do governo João Goulart: o plano trienal e as reformas de base", de Cassio Silva Moreira, apresentada no programa de pós-graduação em economia da UFRGS, traz dados interessantes sobre o assunto. Um resumo dela pode ser acessado em www.cassiomoreira.com.br.

Tese de doutorado: O projeto de nação do governo João Goulart
(Cassio Silva Moreira)


No plano social, o governo Goulart procurou dar voto ao analfabeto, situação de cerca de metade da população adulta; investir pesadamente em educação (não consegui confirmar, mas parece que para 1964 teria reservado cerca de 12,5% do Orçamento!); implantar uma política nacional de saúde; criação de uma linha de financiamento de longo prazo para aquisição de 100 mil moradias pela população de baixa renda (algo como o programa Minha Casa, Minha Vida?).

Por tudo isso (suas virtudes!) foi deposto pelo golpe de 1964, conduzido por militares, empresariado, forças conservadores e apoio direto e ostensivo dos Estados Unidos, que não apenas já vinham financiando deputados e organizações de direita na campanha contra o governo, mas também mobilizaram força militar norte-americana para uma "ajuda" aos golpistas. No site do Instituto João Goulart é possível encontrar cópias de documentos originais sobre o tema. São documentos desclassificados, isto é, cujos conteúdos deixaram de ser secretos e foram abertos ao conhecimento público. Veja o de número 110910184038_brasil.doc. No site do instituto é possível também encontrar vídeos.

Jango poderia ter tentado resistir ao golpe, como queria grande parte da esquerda na época, esquerda que tentou radicalizar o projeto de reformas do governo, contribuindo para o seu isolamento. Resistir seria dar início a uma guerra civil com possibilidade de intervenção militar norte-americana. Não esqueçamos que os Estados Unidos estavam no Vietnã e não iriam correr o risco de perder o seu "quintal", a América Latina. O presidente eleito pelo povo brasileiro não quis a guerra, preferiu o exílio. E foi, talvez, o exilado tratado com maior crueldade pela ditadura brasileira: afastado de sua pátria, foi também "apagado" da história. Está na hora de rever isto e recuperar um dos legados mais belos da recente história brasileira.

capa do livro João Goulart - uma biografia, de Jorge FerreiraJango morreu no exílio no dia 6 de dezembro de 1976, possivelmente, sabe-se hoje, assassinado pela Operação Condor, que nos anos 1970 e 1980 reuniu as ditaduras militares de diversos países da América do Sul em ações conjuntas na repressão e eliminação de combatentes ou inimigos dessas ditaduras. É mais um silêncio que paira sobre o assunto, mas cujo véu precisa ser levantado.

O livro "João Goulart – uma biografia", do historiador Jorge Ferreira, traz uma enorme contribuição para esse merecido resgate da figura do homem Jango e do líder e político João Goulart.


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