sábado, 12 de novembro de 2011

O rancor contra a USP e a curiosa associação: “Além de maconheiro, você deve ser viado.”

Reitor da USP dá boas vindas à polícia militar - charge de Carlos Latuff
Charge de Carlos Latuff

Insisto no assunto porque o "debate" continua em baixíssimo nível nas redes sociais, e este ótimo texto toca em mais um ponto fundamental.
Como esperar segurança, se a USP não for respeitada pela população?

Fechar o campus cada vez mais não é um bom caminho para conseguir respeito.

Os acontecimentos recentes na USP deveriam levar a um debate sério sobre a interação da universidade com a população, assim como sobre o papel da PM - no campus e em todo o Brasil.
(Segundo relatório da Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo, de cada 5 assassinatos registrados na capital, 1 é de autoria da PM)

mídia contra os manifestantes da USP - charge de Carlos Latuff
Charge de Carlos Latuff

Podemos discordar de alguns argumentos e dos métodos usados pelos estudantes (eu sou contra a invasão da Reitoria - mas ainda sou mais contra a ação da tropa de choque -, e ao longo de meus vários anos como aluna da USP tanto participei de greves quanto de manifestações contra greves), mas é preciso entender suas reinvindicações.
Nem todo aluno da USP é "filhinho de papai" com carro importado e camiseta GAP.
E se você acha que as manifestações são pelo "direito a fumar maconha", você não entendeu nada.

É muito curioso que boa parte da imprensa retrate os manifestantes dessa forma. Parece até uma conspiração para acabar com a reputação das universidades públicas...
O Ensino Fundamental e o Ensino Médio públicos já foram sucateados há muito tempo. Querem fazer o mesmo com o Ensino Superior?

Eu também aceito com muito orgulho que parte dos meus impostos vá para as universidades públicas!


O rancor contra a USP
Por Marcelo Rubens Paiva

“Além de maconheiro, você deve ser viado.”

Curiosa associação.

Esta é uma das muitas reações de carinho que recebi ao falar do conflito entre alunos da USP e a PM.

Dos mais de 400 comentários abaixo, o índice de reprovação dos acontecimentos é altíssimo.

E, claro, as agressões pessoais foram a tônica dos leitores: sou maconheiro, esquerdóide, analfabeto, autor de um livro só, cujo acidente me deixou paraplégico e burro, e a quantidade de drogas que tomei queimaram meus neurônios.

Uma fofura…

Ou não se entendeu o que queriam afinal os alunos da USP, ou um rancor contra eles domina parte da sociedade.

Percebi como tem gente que acha um desperdício o investimento do orçamento estadual em uma universidade pública.

Uma, não. Três [USP, Unicamp, Unesp].

Frequentadas por “vagabundos, maconheiros, depredadores dominados por correntes da esquerda radical”.

Um desperdício de dinheiro público.

Imaginei que fosse uma unanimidade a proposta de que o Estado deva investir pesadamente em educação, se quisermos dar um passo, sim, de gigante.

Além de vendermos pedras com ferro, soja e alimentar o mundo, poderíamos nos transformar numa força industrial e tecnológica.

Imaginei que a essência de uma Universidade fosse desenvolver o livre pensar.

As mensagens que os estudantes me passaram foram:

1. Esta PM não nos serve.

2. A política de repressão à posse de entorpecentes faliu.

3. A reitoria abriu mão de resolver os seus problemas, como a violência no campus, desistiu e chamou o Estado.

Leitores reclamaram que estudantes da USP não devem ter privilégios, que esta PM é a que temos. E que eles não querem a PM lá para poderem fumar seus baseadinhos livremente.

O governador do Estado reclamou que deveriam ter aulas de democracia.

Mas continuo concordando com os estudantes.

Não é a PM que deveria voltar à escola e aprender a combater o crime?

Esta PM é falida.

Não consegue lidar com os índices alarmantes de violência urbana. A corrupção corrói da base à cúpula. O traficante NEM acaba de declarar que metade dos seus rendimentos ia para a polícia.

Em todas as cidades existe a sua cracolândia, sinal de que, como disse a revista THE ECONOMIST, perdemos a batalha para o tráfico. Como sanar tal doença?

O DCE da USP entregou à reitoria meses atrás a sua proposta para conter a violência: iluminar o campus, descatracalizá-lo, tornar a Universidade aberta e criar uma guarda universitária focada nos direitos humanos.

E reitoria desprezou. Preferiu chamar a força de repressão que fez de São Paulo uma das cidades mais violentas do mundo.

A cobertura de parte da mídia só alimentou o preconceito. Não se debateram ideias, mas a atitude de vândalos.

Prefiro uma Universidade que continue nos propondo novas ideias. Sim, gratuita. Aceito com orgulho que parte dos meus impostos vá para as universidades públicas.

Já estudei em duas e sei muito bem que elas não servem apenas à elite. Que há convênios com países africanos e latino-americanos. Que se estuda as raízes dos problemas e conflitos sociais. Que há núcleos de combate à violência. E que a força dos movimentos sociais é a alma da democracia e da justiça social.

E que numa Universidade livre, governador, repensa-se o papel do Estado.

Nem na época da DITADURA as ações dos estudantes eram unanimes.

Havia uma maioria silenciosa não engajada que não participava.

Isto não quer dizer que ela estava correta.

Muitos diziam que estudantes estavam lá para apenas estudar.

A História prova que dos estudantes vêm as ideias de transformação.

É mais vantajoso escutá-los do que trancá-los ou reprimir com “borrachadas”.

No meio estudantil, longe das forças do mercado, nascem as grandes ideias.

Nasce o futuro.

Um comentário:

Carla disse...

Pois eh, Ma... ao inves de discutir o que aconteceu, a questao virou um campo de batalha. E eu num gosto de nenhum dos lados (acho que nem vc). Acho que falta bom-senso pra todo mundo.
Meu namorado, americano convicto, texano de corpo e alma, que apoia totalmente o porte de arma, me falou o seguinte qdo eu disse que a policia bateu nos estudantes na FFLCH, no comeco de tudo:
"Por isso a populacao tem armas aqui. Pq a hora que um policial bater num civil, a gente vai revidar, e vai colocar ele e o Estado no lugar em que eles devem estar". Curioso, nao?