segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O surfista verde

Matéria inspiradora que li na última edição da revista Brasileiros.

O surfista verde

João Malavolta ensina a pegar onda e, de quebra, organiza mutirões de limpeza de praias, rios e mangues. Promove, também, oficinas e projetos de conservação ambiental. Tudo isso lá em Itanhaém.


texto e fotos Liana John

o surfista João Malavolta, fundador da Ecosurfi, retirando lixo da praia. Foto de Liana John
João Malavolta, fundador da Ecosurfi, retirando lixo da praia

Jornalista por formação, surfista por teimosia, João Malavolta nasceu há 32 anos, em Itanhaém, no litoral sul de São Paulo. Ou Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, como prefere. Ali se criou e aprendeu a surfar. Conhece aquele mar, identifica cada pedra, sabe de onde sopra o vento e reconhece de longe qualquer mudança na correnteza. E não manifesta a mínima intenção de deixar sua praia de origem para ganhar a vida na cidade grande.

A opção de João foi juntar alguns amigos surfistas e fundar um misto de organização não governamental e escola: a Ecosurfi. Desde 2000, eles promovem mutirões de limpeza de praias, rios e mangues, oficinas e projetos de conservação ambiental e aulas de surfe, além de articular movimentos socioambientais para influir nas políticas públicas de juventude, criança e adolescência, meio ambiente, educação ambiental, recursos hídricos, gerenciamento costeiro, resíduos sólidos e saneamento básico.

Quem está ligado à Ecosurfi acredita que: "Sendo homens do mar, os surfistas devem compactuar na busca incessante pela preservação das praias e oceanos ao redor do nosso planeta". Tal crença se esmiúça em dicas e atividades todas as terças e quintas-feiras, nas aulas ministradas a crianças e adolescentes das escolas de Itanhaém, alguns em clara situação de risco. As aulas são de surfe, claro. Atualmente, são 15 alunos de manhã e 21 à tarde, chova ou faça sol.

As aulas são gratuitas e a condição é estar matriculado na rede pública de ensino. O curso é uma iniciação ao surfe, mesclado com discussão de temas ambientais e participação em projetos realizados com apoio de ONGs sociais e ambientais, como Instituto Akatu, Sea Shepherd, Greenpeace e Fundação SOS Mata Atlântica, entre outras. Algumas atividades são beneficiadas com recursos governamentais, como os do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO). Outras contaram, anteriormente, com recursos da prefeitura.

"A maneira de fazer política no Brasil muitas vezes atrapalha os resultados: os políticos querem fazer acordos para liberar verbas e nós queremos praia limpa, rio despoluído. Queremos, acima de tudo, transparência", diz Malavolta. A transparência no ser, no sentir, no falar e no fazer está, inclusive, definida como princípio da Ecosurfi, cuja visão é "Ser uma organização eficiente, inovadora, dinâmica e eficaz no emprego da educação socioambiental no Brasil".

O compromisso ali é com a "justiça socioambiental, a melhoria da qualidade de vida, a defesa do meio ambiente e o fortalecimento da cultura de paz". O engajamento de Malavolta com os princípios e a missão da Ecosurfi é tão definitivo que o nome da ONG-escola está tatuado em seu antebraço.

O ecosurfista prefere apostar na participação dos jovens voluntários a navegar nos meandros da política. "Procuramos mostrar a relação do surfe com as condições das praias", ensina. "As ondas dependem dos bancos de areia no fundo do mar. A erosão e a falta de conservação podem comprometer a qualidade das ondas."

João Malavolta com uma turma de alunos de surfe, em Itanhaém. Foto de Liana John
Com uma turma de alunos

Malavolta já viajou para muitos lugares atrás de ondas de qualidade. Viu paisagens fantásticas. Isso só será possível com movimentos de preservação. "A gente só preserva o que conhece. O surfe é um esporte que te leva a viajar, a conhecer. É um esporte que depende do oceano limpo, de praia boa. Existe um espírito e uma cultura associados ao esporte, muito além do consumismo de se vestir como surfista. É isso que procuro passar."

Um dos projetos da ONG-escola é estudar a regeneração do junduzal, a vegetação rasteira responsável pela fixação das dunas de areia e controle natural da erosão. "Vamos primeiro levantar as áreas em regeneração e aquelas em estado mais crítico. Estamos preparando mudas em um viveiro e depois vamos promover o replantio do junduzal onde for necessário."

Toda a atividade é fotografada e filmada para abastecer a mídia local e as redes sociais. "Quero que os jovens se apropriem da comunicação para conseguir entender o que foi realizado, as causas e as consequências de todo o processo", afirma ele. "As condições ambientais dependem dos cuidados que partem da base e nós somos essa base, nós fazemos nossas ondas de sustentabilidade."

Inicialmente, poucas pessoas apareciam nos mutirões de limpeza de praia. Agora já são mais de 300. "É nítido que essas pessoas têm o mesmo sentimento, a vontade de doar seu tempo por acreditar que podem fazer a diferença", diz Malavolta. "Vem gente de todas as idades, o apelo ambiental é grande, é uma oportunidade para cada um de se sentir bem."

Cada mutirão chega a reunir até uma tonelada e meia de resíduos. A maioria é de plásticos, que flutuam durante anos, mesmo quando se quebram ou se deterioram. Os resíduos são carregados pelas marés e representam riscos reais para a fauna marinha. Há riscos mecânicos, por exemplo: peixes, tartarugas e aves podem engolir os plásticos, que não são digeridos e permanecem no estômago a ponto de impedir a alimentação e matar os animais de inanição. Peixes e tartarugas também podem se enroscar em plásticos, tornando-se vulneráveis a predadores ou ao afogamento.

Existem ainda os riscos químicos: como são produzidos a partir do petróleo, os plásticos têm afinidade química com poluentes orgânicos persistentes (chamados de POPs) e coletam tais poluentes enquanto flutuam no mar. Ao ingerirem fragmentos de plástico rodados, os animais também se contaminam com os químicos.

Por isso, cada sacolinha, cada frasco retirado do mar conta. Assim como conta - e muito - a atitude de não jogar lixo na praia, no mar, no rio, no mangue. Somam-se a essas contas opções como trocar o carro por bicicleta, por exemplo, sobretudo em uma cidade plana como Itanhaém, razão mais que suficiente para engajar Malavolta em uma campanha por mais ciclovias na cidade.

Em outro projeto - chamado Rio do Nosso Bairro - a Ecosurfi conseguiu envolver quatro escolas de cada um dos nove municípios da Baixada Santista, em um total de 36 escolas. Durante 2010, os alunos participantes levantaram a situação dos rios e córregos de suas regiões, fazendo um diagnóstico e colocando os resultados no mapa, conforme a metodologia internacional Green Maps. Em seguida, foram realizados seminários e uma conferência infanto-juvenil, ao final da qual as escolas assumiram a responsabilidade no cuidado com os cursos d'água. Em vários casos, os projetos foram para frente, com professores e estudantes trabalhando em defesa dos recursos hídricos.

Quando era moleque e ganhou sua primeira prancha do pai, aos 11 anos, Malavolta ia para o mar quase todos os dias. "Tinha o compromisso de ir à escola, mas fora do horário escolar a última alternativa era ficar em casa. Tinha coisa demais para fazer na praia", lembra-se.

Agora, apesar de ter menos tempo livre para a busca incessante da onda perfeita, ele continua surfando. "É o que me reconecta com tudo que acredito. Como todo surfista, acho que sempre vou encontrar uma onda melhor logo adiante." A diferença é que Malavolta não fica apenas esperando a próxima onda quebrar para conferir, mas ajuda na construção permanente desse ideal.

Barraca da Ecosurfi em Itanhaém
Site da Ecosurfi
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2 comentários:

João Malavolta disse...

Boa tarde, parabens pelo Blog e obrigado por socializar essa materia que conta parte da historia da Ecosurfi.

Aloha

Joao Malavolta

Mari Lee disse...

Obrigada pelo comentário, e parabéns a você e à Ecosurfi pelo belíssimo trabalho!